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domingo, 25 de fevereiro de 2018

Histórias sobrenaturais (Rudyard Kipling)


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Histórias sobrenaturais de Rudyard Kipling

Histórias sobrenaturais de Rudyard Kipling é uma compilação de contos que se deslocam das especialidades que consagraram Kipling. Este escritor, aparentemente, não é tão famoso aqui no Brasil — de minha parte, não o conhecia, mas como eu não sou todo mundo, pode ser que eu esteja enganado com relação ao seu reconhecimento. Tornou-se célebre sobretudo na Inglaterra e na Índia por suas histórias infanto-juvenis. O livro mostra outra faceta de sua extensa e rica produção literária, num conjunto que apresenta suspense, comédia e mistérios, sempre ligado pelo fio do sobrenatural.

Kipling é filho de ingleses erradicados na Índia do século XIX, quando o imenso território indiano era subjugado pelos britânicos, que não os permitiam aspirar a mais do que a condição de colônia. Por isso, é perceptível que a esmagadora maioria dos contos — escritos por um inglês — tem como cenário essa enorme e diversificada massa de terra e de culturas. Invariavelmente, os protagonistas são ingleses. Indianos, em condição de inferioridade, são depravados moralmente ou aparecem sob uma silenciosa subalternidade. Nada de novo no front, afinal.

Sinopse

Escolhi alguns contos para exemplificar o estilo do livro e do autor, uma vez que eles seguem a mesma lógica que eu expliquei acima. Em O Jirinquixá Fantasma, conto divertidíssimo e um pouco enlouquecedor, Kipling conta a história de Jack, funcionário inglês erradicado na Índia, que, ainda em sua viagem para o país que vai trabalhar, conhece Mme. Wessington, uma mulher casada. Os dois iniciam um caso extraconjugal. Logo ele percebe que isso é um erro; ela concorda. No entanto, ele percebe que a paixão dos dois é descompensada. A balança pesa mais para o lado dela e a história está longe do ponto final. A partir do rompimento, a senhora inicia uma perseguição implacável e sobrenatural a Jack, através do seu fantasmagórico Jirinquixá.

O despacho de Dana Da nos apresenta um ocultista que é contratado por um preço exorbitante para lançar uma maldição a um inimigo do contratante. É aí que o tal inimigo, do outro lado do mundo, começa a ser alvejado por inúmeros filhotes de gatinhos, que aparecem em suas malas, em seu quarto, em suas gavetas, em sua cama. Por mais que ele dê um fim às criaturas, elas sempre voltam. No leito de morte, cobrando mais uma taxa, o sinistro despachante conta o seu segredo. Excelente sátira dos trabalhos dos feiticeiros farsantes, que lucram desde aquela época com a inocência dos desesperados.

Em O signo da Besta, o policial Strickland — uma das suas personagens mais conhecidas; aparece em vários contos e tem um jeito carismático — tem que resolver o mistério de um amigo hospedado em sua casa que, após ser atacado por um sacerdote lunático que se comunica aos miados, transforma-se numa criatura violenta e estranha que não conserva nada do normal.

A edição

Fiz a leitura da quarta edição, realizada pela Bertrand Brasil. Valiosíssima do ponto de vista informativo. Antes de cada conto, um comentário de Peter Haining que não deixa dúvida acerca das possíveis inspirações que o moveram e do recebimento por parte do público à época. A fonte é igual à utilizada numa edição recente de O amor nos tempos de Cólera; bom, não sei especificar qual o tipo de letra, mas torna a leitura ainda mais prazerosa. A edição, portanto, foi o ponto mais positivo da minha experiência com a obra.

O que ficou do que passou

Rudyard Kipling mostrou ser um ótimo contador de histórias curtas. Todos os enredos são, nos piores dos casos, medianos. A maioria dos contos é boa, embora alguns embrulhem os estômagos pela rispidez e naturalidade com que os preconceitos da época são reproduzidos; mas nem todos se encaixam nesse padrão. Assim como cada um de nós, Kipling é um homem da sua época; mais do que isso, do seu meio: aristocrático, colonizador e difusor de uma sociabilidade europeia. A despeito disso, estritamente na qualidade de escritor, ele demonstrou ser cativante.

Suas histórias, apesar do sobrenatural, têm muita verossimilhança (em alguns casos, o autor expressa que a história realmente foi contada por algum amigo ou mesmo presenciada por ele mesmo e repaginada com fantasmas) e provoca nos mais crédulos a dúvida a respeito de se Kipling presenciou de fato tudo aquilo ou se é, afinal, fruto de uma mente imaginativa. 

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