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quarta-feira, 28 de março de 2018

Frankenstein (Mary Shelley)





Título: Frankenstein
Autora: Mary Shelley
Editora: Zahar
Páginas: 256
Lançamento: 01/01/1818

Talvez seja impossível saber se Mary Shelley tinha consciência do sucesso que a sua obra-prima faria. Será que ela previu que, com Frankenstein, partindo do romantismo, inauguraria um dos gêneros mais instrutivos e empolgantes da história da literatura? Mais além, será que ela sabia que os primeiros escritores que se aventurariam ganhando a vida com ficção científica seriam relegados à folhetins e revistas “vulgares”? Que teriam um início duro e marcado pela difamação de uma elite acadêmica?

Uma possível resposta, pelo menos para a última questão: ainda bem! Assim, tivemos o legado de histórias escritas por pessoas simples, ou até por intelectuais, refinados ou não, que pensavam fora dos cânones fúteis da literatura, que conseguiram ativar e congregar a imaginação, o maravilhamento, os anseios, as esperanças e os pesadelos provocados pela modernidade, como nenhum outro gênero.

E por falar em modernidade, Mary Shelley desenvolve um protagonista originado nos mitos gregos e dá uma inovadora roupagem científica a ele. É uma releitura do mito de Prometeu, o filho de Zeus responsável pela criação dos homens. Agora, Frankenstein usa a ciência, e não os poderes, para dar um sopro de vida numa criatura humanóide. Ele é o Promoteu moderno, título alternativo do livro.


O mundo do século XIX, pelo menos o mundo europeu, estava marcado pelo avanço da ciência como hoje a conhecemos. E a literatura, como de costume, expressa muito bem os sentimentos de uma sociedade. É o contexto que serviu de inspiração para Mary Shelley, que também demonstrou abertamente a influência do terror gótico alemão. 

Sinopse

O livro, escrito em primeira pessoa, é a transcrição das cartas que Walton envia à irmã. Walton é uma espécie de cientista aventureiro. Ele escreve as mensagens nas proximidades do Polo Norte, em sua viagem mais ambiciosa, com objetivos que não são claros. Tá legal, mas onde entra o Frankenstein?

Depois de uma vida de fracassos científicos e de muito esforço, Walton consegue um navio e embarca, com os poucos marujos que conseguiu recrutar, para uma viagem que ultrapassaria os limites então conhecidos. Sua aventura pretendia revolucionar as fronteiras geográficas do conhecimento humano. Chegando num lugar quase letal, onde a embarcação manobrava por entre imensas calotas polares, a tripulação avista um trenó (!) ao longe. Como seria possível que esta região inóspita estivesse sendo explorada por humanos? E olha o veículo: um trenó!

Eles avistam uma gigantesca silhueta disforme, que rapidamente desaparece. Estranhados, os tripulantes surpreendem-se no outro dia, quando novamente avistam um trenó com uma pessoa. Mas ela não é tão gigantesca quanto no dia anterior. É apenas um humano como qualquer outro, muito enfraquecido, num estado de quase-morte. O nome da pessoa é Frankenstein. Apesar de sua fraqueza, a sua eloqüência e conhecimento científico não demora a despertar um profundo fascínio em Walton. Frankenstein, então, começa uma longa narrativa, contada de pouco em pouco, sobre o que o levou até aqueles confins.

Juro que, como de costume, não estou revelando nada demais sobre o enredo, de modo que você pode continuar a leitura sem medo. 

Frankenstein é filho de um rico comerciante de Genebra. Ao concluir os estudos básicos, ele vai estudar medicina na Suíça. Seus professores logo percebem a sua capacidade hiperbólica, especialmente em química, física e anatomia. Seus estudos incessantes lhe garantem uma erudição fora do normal.

Não demora muito para que Frankenstein ponha todo o seu brilhantismo num audacioso projeto: trazer um homem à vida. Começa a sua trajetória de Prometeu. O seu relato se baseia na sua incapacidade lidar com a criação que motivou a sua existência, uma criatura extremamente sensível e inteligente, mas horrenda; uma obra-prima sobre a qual ele se debruçou com uma inesgotável energia e que definiu os rumos da sua vida.
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O que ficou do que passou

Como amplamente aceito, Franskenstein é uma obra de ficção científica. A primeira. Mas podemos ir além. Tratando-se de Sci-fi, é também a primeira das distopias. Shelley nos mostra a crua possibilidade de que os incríveis inventos que caracterizam a modernidade, supostamente capazes de nos trazer a concretude dos nossos sonhos, não significam a certeza do contentamento, a plenitude da criatividade.

Eu tinha várias considerações a fazer sobre o monstro. Mas não quero revelar nada demais sobre o enredo, o que é sempre do meu feitio e também deveria sê-lo nos prefácios e sinopses das editoras etc. Limito-me a dizer o quanto fiquei movido com a sensibilidade, inteligência e solidão da criatura. Aliás, o ponto alto do livro é justamente os seus pensamentos, suas atitudes e sua aguda capacidade de obter conhecimento de mundo de forma autodidata.

A incrível habilidade e precisão de Shelley com as palavras merece ser ainda mais difundida. Faço minha pequena contribuição com esta despretensiosa resenha. Sei que virão muito mais divulgações maravilhosas, porque o que é bom merece ser conhecido. E também tenho a triste impressão de que alguns clássicos, como Homero, por exemplo, são tão conhecidos que ninguém os lê de fato (eu mesmo nunca li este. Até já tentei, mas não compreendi). 

Não se pode relegar Frankenstein a um clássico sem leitores. Para os amantes da literatura, e até para os que não o são, é perceptível o quanto este campo foi dominado pelos homens. O letramento sempre foi restrito às elites. E dentro das elites, para os homens. Shelley rompe esta barreira e abre caminho para o gênero mais fascinante da literatura. 


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