Não
passou nem um mês e fui obrigado por uma ânsia literária - muito forte em mim
hoje em dia - a ler mais um livro do mestre, do deus, do dono do terror na
Terra. Em 1998, Stephen King lançou Saco de Ossos, um terror psicológico dos
mais profundos que existem. A obra, com seu mergulho abissal no amor humano,
cala a boca de qualquer um que acuse um dos escritores mais prolíficos da
humanidade de ser superficial.
Sinopse de Saco de Ossos
Quando
começou a escrever e a ganhar notoriedade por suas publicações, Mike Noonan nem
sequer sabia o que era o bloqueio
criativo. Com quarenta anos, porém, o escritor não consegue se libertar da
dor de perder a companheira e, há pelo menos quatro anos, não registrou sequer
uma linha.
O
lento processo de entrada num estado paralisante de ressaca literária só não
foi pior pela fortuna que Noonan acumulou com os livros que já havia publicado.
É essa grana que o sustenta desde então. As únicas palavras com as quais se
defronta são as dos caças-palavras dos jornais.
Em
determinado momento, ele decide que confrontar seus problemas é melhor do que
se esconder deles. Movido pelo súbito esforço de superá-los, se muda para a
TR-40, uma zona minúscula onde possui uma enorme casa de campo, a Sara Laughts,
que dividia com a sua falecida esposa e onde escreveu mais febrilmente.
Sem
Johanne, a casa parece muito quieta, solitária e... assustadora, o que torna
ainda mais difícil a superação das vozes em sua mente e do atrofiamento mental
provocado por sua solidão, pela falta de trabalho e pelas memórias dos dias
agradáveis ao lado da amada. King, então, põe Noonan para brigar diretamente
com seus próprios delírios, numa luta incessante para vencê-los e deixá-los
para o passado.
Mas
é quando conhece Mattie que ele consegue, enfim, depois de quatro anos deixando
a sua vida para depois, encontrar uma missão para se dedicar.
Devore,
um milionário dos sistemas computacionais de 84 anos, quer a custódia da filha
de Mattie, que era esposa do seu falecido filho. Para conseguir pôr as garras
em sua neta, o velho nerd ousado pode usar qualquer artifício, desde os meios
legais até o seu imenso poder caudilhista no território da TR-40. Por um acaso
extremamente feliz para Mattie (uma mãe solteira que vive em um trailer), Noonan
se depara com o caso e resolve ajudar a mãe e confrontar a ganância de Devore.
O que ficou do que passou
O
resultado do livro é um esforço híper bem recompensado para um escritor que se
propôs a escrever uma história muito comprida e profunda. King se aprofundou
principalmente nos aspectos jurídicos, essenciais para resolverem o caso da
disputa de custódia entre Devore e Mattie. Os diálogos e cenas entre os
advogados de ambos os lados da disputa passam a impressão de que o escritor
teve consulta de juristas para conseguir verossimilhança. E conseguiu.
Conseguiu sem sombra nenhuma de chatice, pois as cenas são super agradáveis de
se ler e rechaçam qualquer sinal de chatice.
A
ambientação psicológica não nos dá trégua no desenvolver da história. Os
aspectos da solidão de Noonan e da necessidade de superar a morte da esposa,
junto com a sua decisão de enfrentar os seus demônios indo morar em Sara Laghts,
só fazem com que o leitor se sinta parte da história.
Em
seu livro Sobre a escrita: a arte em memórias,
King diz que as histórias partem de um “e se?”. Bukowsky, ao criar o
protagonista de quase todas as suas histórias, partiu de um “e se?”. Chinasky é
um velho Buk sem a sorte de ter se dado bem com editoras - é um bêbado
decadente que, surpreendentemente, escreve uns contos legais que ninguém
conhece.
Stephen
King não faz outra coisa em Saco de Ossos senão pensar em outro “e se?”. E se a
sua esposa Mattie, tão essencial em sua carreira de escritor, morresse com seu
primeiro filho ou filha no ventre e ele tivesse que tocar a carreira sozinho e
com uma solidão tão massacrante? O íntimo de King se inscreve nas páginas do
romance.
Um
pequeno detalhe meio ingênuo em toda essa bagunça melancólica é o de que Noonan
parece um herói. Ele é o homem que assumiu o seu fascínio pela jovem leitora
Mattie e sua filhinha inocente Kyra contra tudo o que os foxicos do povoado lhe
recomendava, e cabe a Noonan o destino das mocinhas Mattie e Kyra.
Essas
e outras reflexões, que não tem o objetivo de acalentar a nossa alma e sim
estimulá-la a pensar em outras possíveis realidades em nossa própria vida, faz
de Saco de Ossos uma das obras-primas de Stephen King. Aliás, a obra do mestre que mais me agradou até
aqui. Portanto, você aí, pode apostar na leitura desse livrão (em tamanho e em
qualidade) que não vai se arrepender.
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