Fui
ao sebo com a última grana do mês. Os resistentes treze reais tinham - ah, mas
tinham - que bastar para sair com um livro de lá. Escolhi um bem fininho. Mas
não se tratava de um livrinho qualquer. Eu escolhi justamente o que mais me
atraiu, aquele que, pelo amor de deus, não poderia custar mais do que tinha em
meu bolso. Deu tudo certo e eu saí de lá com Ninguém escreve ao Coronel, do jornalista, escritor e semi-deus
colombiano Gabriel García Marquez.
Este
livro foi publicado em 1961 e se situa no mesmo universo que Cem anos de
solidão, o trabalho mais famoso de Marquez. Tanto o protagonista quanto a
cidade-cenário é Macondo, que é uma versão fictícia da sua cidade natal,
Aracataca, ambas na Colômbia. A história se passa em algum ponto entre o início
e o fim de Cem anos de solidão. É
difícil precisar, já que o romance tem uma temporalidade bem alargada.
Sinopse
As
menos de cem páginas desta novelinha contam o drama de um veterano da Guerra Civil
que sacudiu Macondo. O Coronel, já muito calejado e velho, nunca teve acesso à grana prometida pelo governo
aos veteranos, que, em sua maioria, morreram, só sobrando o Coronel e poucos
mais. Para saber se finalmente a pensão tão prometida vai chegar, o sempre
esperançoso Coronel vai todas as terças-feiras para o navio ao qual chegam as
cartas do correio, para ver se o governo escreveu comunicando o envio da pensão
a ele e a velha. É uma poderosa crítica a uma burocracia traidora –
característica de Marquez.
Entre
a existência domiciliar dele e de sua esposa existe o único ser vivente daquela
casa que recebe algum investimento e uma alimentação adequada: o galo de rinha,
herança do filho, que morreu um ano antes. O animal é a única esperança para
além do governo. Uma vitória bastaria para que ele recebesse uma fortuna.
Enquanto
a grande luta não chega, porém, as privações aumentam cada vez mais e o casal
chega ao ponto de passar fome. Todos os itens de valor da casa já foram
penhorados. Estão falidos, mas ele se mantém sempre disposto a ir todas as
terças-feiras no navio do correio para ver se lhe escreveram, mostrando ainda o
resistente fio de esperança.
O que ficou do que passou
O
mais interessante a se notar com relação à trama é a falta de uma sequência de
eventos que transformam os protagonistas: sabe aquela personagem que começa de
um jeito e termina de uma maneira triunfal? Não dá para encontrá-la neste
livro. É que o realismo de Gabriel é tão rasgante - e isto é essencial quando é
para se contar a história desse livro - que ele não se prende a leis
ficcionais.
Outro
elemento que me parece essencial nesta leitura é perceber o quanto ele consegue
prender o leitor mesmo em uma história tão angustiante e sem aventura. Uma
história que tem praticamente por conceito o fato de precisar ser parada,
cadenciada, repetitiva, em que a teimosia dos personagens é que caracteriza
suas maneiras de viver e de ser. A ambientação também é muito adequada, até
porque é o que talvez mais trouxe fama a Marquez. Macondo é bem retratada
enquanto cidade pequena, com um clima ainda mais bucólico e estagnado do que em
Cem anos de solidão por causa das
personalidades do Coronel e de sua esposa.
O
fato é que o livro é também angustiantemente pequeno. Dá aquela velha, e nem
sempre boa, sensação de querer mais. Não é um livro tão bom quanto Cem anos de solidão ou Amor nos tempos de cólera. Não tem
aquele material humano diversificado capaz de criar algo de inesquecível, mas,
ainda assim, não se trata de mero passatempo a um leitor entediado. Pelo
contrário, é uma novela profunda e muito bem feita, mais um acerto na carreira
de Gabriel García Marquez.
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