Uma vez concluída a leitura do momento, em uma
quarta-feira aleatória, percebi que já havia algum tempo que eu não frequentava
a biblioteca de minha cidade, de onde veio grande parte da minha leitura.
Percorri as estantes estranhando a nova arrumação. Estava em busca de um livro
com linguagem coloquial, era a vibe do momento. Encontrei Domingos Pelegrini em
um livro que não me interessou pela capa. O fascínio veio quando abri um conto
aleatório e percebi a riqueza das descrições.
Domingos Pelegrini, escritor do norte do Paraná, é
um entusiasta da literatura que, contraditoriamente, parou de ter contato com
os livros: é que ele registra em seus contos a linguagem simples e informal dos lugares diversos por onde passou, sobretudo, como acabei de dizer, o Paraná. A ideia desse
afastamento é que se ele continuar lendo a palavra impressa, pode se contaminar
com alguma afetação estilística, alguma complicação literária. Para aguçar o
seu estilo e continuar escrevendo como se fala, ele recorre aos filmes.
O escritor se tornou um dos mais prestigiados do
realismo contemporâneo brasileiro, além de ser amplamente conhecido por seus
livros infanto-juvenis. Buscando reunir o realismo e o coloquial para
sintetizar as principais características de Pelegrini em um só livro, Miguel
Sanches Neto organizou a coletânea Melhores Contos.
Pellegrini também tem um forte lado político. Foi
militante de movimento social e se tornou sensibilizado pelas causas coletivas.
Os seus contos já tiveram forte ligação com a militância, mas, com o passar do
tempo, o autor foi dando novas roupagens por meio de novas edições para ofuscar
um pouco essa característica.
SINOPSE
Em A maior
ponte do mundo, o conto que eu mais gostei, Pellegrini usa a construção da
ponte Rio-Niterói como cenário da trama. Lemos a descrição em primeira pessoa
de um dos mais de dez mil operários que construíram a ponte. As noites e noites
em claro, a garrafa de café que circulava na construção para mantê-los
acordados, as jornadas de trabalho que ultrapassavam as quinze horas, tudo isso
descrito com riqueza de detalhes e com diálogos hilários.
Em Guerra
Civil, vemos um pouquinho do seu lado militante, mesmo o tema central não sendo
o acampamento dos sem-terra em si, mas os cachorros que os acompanhavam. É
notável a sutileza com a qual ele introduz o tema dos latifúndios e da luta de
classes entre os donos dos latifúndios e os sem-terra. Em nenhum momento o foco
deixa de ser os cachorros, no entanto, o político que defende o latifundiário e
ao mesmo tempo apoia o movimento em busca de votos, a injustiça de tanto espaço
desperdiçado, sem uso, e tanta gente sem
teto nem terra, tudo isso passa pelo plano de fundo e nos deixa profundas
reflexões.
O conto que inaugura o livro, O encalhe dos trezentos é bastante regionalista. O material mental
de Pellegrini é a região na qual nasceu, o norte do Paraná. O conto é sobre
quando um enorme atoleiro de mais de trezentos veículos pára todo o trânsito e
até, em certo ponto, freia a economia da região. A gigantesca fila automotiva
encalhada deixa milhares de pessoas na mão. No meio de toda essa bagunça,
acontecem diversas confusões, conversas, risadas e choros.
O que ficou do que passou
Este é um livro daqueles que se lê rapidinho, que
não dá para dar um basta quando se precisa parar. Uma página a mais, um
continho a mais, é muito complicado dar um descanso da leitura. Domingos tem um
estilo de escrita muito particular. Uma das várias maneiras coloquiais de se
falar português é expressa em sua escrita. Por ser um escritor tão impactante
neste sentido, é uma indicação para você que busca um pouquinho de espanto.
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