Escaravelho de Ouro (Edgar Allan Poe)
Após
uma experiência inigualável com O Corvo (mesmo que eu não seja leitor de
poesia, este poema me enloqueceu. Que fodástico, meu deus!), e outras com
livros de contos que foram lamentáveis, retomei a vontade e a teimosia para ler
Edgar Allan Poe. Não pude aceitar o fato de não ter gostado ou me dedicado o
suficiente para ter lido algo dele por inteiro, por isso fui à busca de um
livro para dar outra chance. Minha escolha foi aleatória, confesso: estava no
ônibus coletivo, abri o meu Kindle e li o primeiro que encontrei.
Para
minha surpresa, foi incrível. Bom, certamente existe uma explicação para a
antiga tentativa fracassar. Estava exausto. Fui à busca de histórias de
mistério que fossem leves, fáceis de ler, pensando que em Poe eu as encontraria
— me enganei, Poe nunca se propôs a escrever simples e curtas historietas de
terror. Seus enredos são o que há de mais complexo, bem trabalhado e intrigante
que eu já pude encontrar em seu gênero, como é o caso do livro Escaravelho de
Ouro, tema desta resenha.
Sinopse
O
livro contém doze contos. Desde o grande suspense e desfecho assustador (ou
trágico) de A caixa oblonga, ou da psicodelia fantástica de Um conto das
montanhas escabrosas, Poe demonstra toda a sua habilidade em construir enredos
para lá de complexos, dignos de romances, e discorre prolixamente (muito, mas
muito extensamente mesmo) sobre cada mistério contido nos enredos.
Um
dos contos que mais me agradou é também um dos mais curtos. É primeiro do
livro, intitulado Manuscrito encontrado numa garrafa, no qual Poe apresenta um
diário de bordo de um náufrago que caiu em um navio assustador — sobretudo com
uma tripulação sinistra — que navegava sempre em direção ao sul, mesmo estando
se aproximando cada vez mais das fatais colisões, tempestades e do frio imenso
das calotas polares.
Lembro-me
agora de Morella, meu deus, que conto lindo! Outro conto em que Poe afasta um
pouquinho (um pouquinho só) toda a sua prolixidade para construir uma obra com
imagens muito singelas e extremamente profundas de dor, de arrependimento e
sobretudo de amor. Aqui, Morella é o objeto de amor do protagonista; casaram-se
e viveram juntos por muito tempo, mas o protagonista em certo ponto desenvolveu
uma espécie de repulsa, e, mesmo a amando e estando próximo a ela, não consegue
ter controle de tal aversão. O gatilho principal é o dia em que ela desenvolve
uma doença letal.
É
de se notar especialmente também o conto O sepultamento prematuro. É o conto mais
agonizante, terrível e assustador. Os outros contos são mais de mistério, não
há nada de muito assustador para quem lê com os olhos anacrônicos do século XXI
ou XX, ou seja, para aqueles que leram King ou Joe Hill. N’O sepultamento
prematuro, porém, Poe trata de sepultamentos de pessoas vivas. O
autor-protagonista elenca vários casos diferentes de pessoas que tiveram a
fatalidade de serem enterradas vivas.
Nenhum
autor é incontestável. É possível pôr em contrapeso o brilhantismo e erudição
de Poe com a sua cansativa redundância, que, é importante ressaltar, nem sempre
é chata, como no conto Escaravelho de Ouro, no qual ele faz uma imensa
descrição do mistério e o desvela usando até conhecimentos químicos. Na verdade,
apesar de em algumas vezes ser desnecessário (me fez inclusive largar um conto,
que não me lembro qual foi), demonstra o imenso cuidado que ele sempre teve na
criação de belas obras, de clássicos completos; isso é admirável.
O QUE FICOU DO QUE PASSOU: o contista que entrou no mesmo panteão dos romancistas
De
qualquer maneira, saio da leitura de Poe com a certeza de que ela não será a
última. Não encontrei outro exemplo que faça frente a este autor no quesito
criação de mistérios e cuidado com o enredo. Queria poder dar um abraço e dizer
que ele arrasa, mas esse privilégio nunca me será concedido. Poe atingiu o
feito de ser reconhecido como um dos deuses da literatura universal. Este lugar
só é comumente reservado aos romancistas. Poe trabalhava tão arduamente
em seus contos que, mesmo que tarde demais, foi posto em sua devida posição de
lenda da literatura.
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