Título:
Matéria Escura
Autor:
Blake Crouch
Editora:
Intríseca
Páginas:
352
Lançamento
original: 2016
“Portanto, se o mundo realmente se divide sempre que algo é observado, isso significa que há um número inimaginavelmente grande, infinito, de universos — um multiverso, onde tudo que pode acontecer vai de fato acontecer.” (CROUCH, 2017)
Em Matéria Escura, Blake Crouch
(roteirista e escritor renomado na atualidade) demonstra uma rara habilidade em
tocar num tema pra lá de complexo, tornando-o acessível e incrivelmente
intrigante. Que livro, meus amigos e minhas amigas! Uma descoberta que eu vou levar pro resto
da minha vida. O instrumental da história são os estudos de vários
físicos brilhantes, sem os quais seria impossível escrever uma obra tão
profunda. Afinal, a matéria escura é um dos elementos mais importantes e
incompreensíveis deste universo — aliás, multiverso no caso desta obra. Carl
Sagan, Neil Degrasse Tyson, Michio Kaku, Rod Bryanton, Amanda Gefter, Stephen
Hawking e, num nível mais pessoal, Clifford Johnson, estão entre os incríveis
cientistas que deram base ao seu livro.
A obra aqui
resenhada foi fruto de uma extensa pesquisa. É daquele tipo de história que eu
penso: pqp, eu nunca conseguiria escrever um livro assim. Claro, resultado de
uma equipe literária extensa que não se limita aos nomes, e que nomes, citados
acima (o autor faz questão de citar cada pessoa no prólogo). Ainda assim,
produto de muita dedicação por parte de Crouch. Aliás, uma característica notável do gênero da
ficção científica é justamente a consistência que as histórias precisam. É
impossível criar algo do gênero sem que se percam noites pesquisando. Não que
seja exclusividade da sci-fi, mas é bastante ligado às suas criações.
Matéria
Escura é
a obra mais recente de Crouch. O escritor é bastante ativo desde que lançou a
sua primeira obra, em 2004, intitulada Desert
Places. Desde então, foram doze livros. Notabilizou-se especialmente na
trilogia Wayward Pines, que virou série na Fox. Além disso, é
interessante lembrar a sua formação em Escrita Criativa pela Universidade da
Carolina no Norte. Portanto, a consistência da sua trama vem, além do “talento
natural”, do estudo específico e aprofundado sobre a arte de criar histórias.
Desta vez vou
fazer diferente e não vou colocar a sinopse seguida das primeiras palavras.
Creio que é preciso situar, de maneira bem simplória, é claro, as ideias principais
do livro: matéria escura e multiverso.
Multiverso
e matéria escura
O livro se
baseia na teoria (ou hipótese, talvez mais adequadamente) do multiverso,
segundo a qual existem vários e vários planos de universo. Há algumas
variações dessa mesma ideia. A mais conhecida no universo ficcional, nos filmes
de super-heróis por exemplo, é a das ramificações de uma mesma realidade, como
se as múltiplas realidades fossem galhos de uma mesma árvore - esta é chamada de
IMM, Interpretação de Muitos Mundos. Outra bastante difundida é a do Universo
Oscilatório, um processo de
expansão contínua, provocado
pelo Big Bang, que culmina no Big Crunch, a retração do universo, o que desencadeia um processo
seguido expansão e retração,
ou seja, de Big Bang e de Big Crunch.
A ideia do
livro se aproxima da IMM: cada dilema que enfrentamos, cada situação com mais
de uma possibilidade, cria universos paralelos. Se eu, Matheus, desistir de
estudar em busca de algo que mudará a minha vida, existirá um Matheus2 que
escolheu concluir os estudos. Nas estradas bifurcadas, nos trevos, é necessária
uma escolha, contudo, de um modo ou de outro acabamos por nos dirigir aos dois
caminhos, mesmo que seja em universos diferentes. É um pouco complicado, mas da
pra se ter uma ideia.
Uma escolha
cria uma realidade alternativa. Existem vários universos, variadas versões de
um mundo, de pessoa, de universo.
A matéria
escura é uma substância misteriosa que está presente em 70% do universo. Até
hoje ninguém conseguiu estudá-la a fundo, mas, a partir da sua força
gravitacional, é possível inferir com bastante precisão sobre a sua existência.
Uma passagem da revista Mundo Estranho ilustra bem o mistério dessa substância:
“É uma parte do Universo que os astrônomos sabem que existe, mas ainda não sabem
exatamente o que seja. É matéria, porque se consegue medir sua existência por
meio da força gravitacional que ela exerce. E é escura, porque não emite
nenhuma luz. Essa segunda propriedade é justamente o que dificulta seu estudo.”
Bom, se os
mais renomados cientistas não conseguem definir com precisão a sua existência,
mas apenas a sua importância, não vou ser eu o primeiro a elucidar esta
questão, ainda mais tentando ser o mais breve possível. Mas o instrumental para
se compreender o livro já está em nossas mãos.
Sinopse
Jason é
professor de física em uma universidade de Chicago. Daniela é artista. Quando
jovens adultos, ambos tiveram imenso potencial para abalar os seus campos de
atuação profissional. Eram brilhantes. Entretanto, surge um impasse. O casal,
bastante apaixonado, mas ainda com um namoro curto, se depara com a gravidez de
Daniela. Eles precisam decidir: construir uma família — que implica em
sacrifícios, como jogar fora a dedicação integral à carreira — ou desistir do
filho em favor da concretização dos sonhos?
Optam pela
família. Quinze anos depois, se encontram seguros, relativamente modestos e com
um horizonte um pouco mais restrito. Ela, uma professora de artes; ele, um
professor universitário de Física. Um destino bem diferente do que projetaram
quando jovens, entusiásticos, sonhadores. Mas é justamente a partir desse momento
que se dá o gatilho do romance. Jason, em seu próprio carro, é raptado por um
estranho encapuzado, que o trata com agressividade e, drogando-o, consegue
extrair todas as informações da sua vida e... troca de universo com ele. Porque
esse estranho é Jason. Um Jason de um universo em que ele escolheu a carreira,
não os filhos. Um Jason com máxima potencialidade científica, contra um Jason
com a máxima satisfação familiar, que o autor trata por Jason2.
Jason acorda
num mundo completamente diverso. Uma Chicago quase idêntica, não fosse por ele
ser um dos cientistas mais renomados do mundo. Mas ele não se reconhece como
parte integrante daquilo. Precisa encontrar uma forma de manipular a maior
invenção do Jason2: com a matéria escura, sua versão genial criou um portal
multidimensional capaz de transportá-lo a outras versões de si mesmo e,
inclusive, resolver o seu maior arrependimento: o de ter matado a si mesmo em
favor de um trabalho febril que o adoeceu mais do que o satisfez.
Jason, então,
precisa ser mais esperto do que... ele mesmo, mas um “ele mesmo” que é um dos
cientistas mais consolidados do mundo, que passou a vida adulta inteira
trabalhando, sem trégua alguma. Só assim poderá reaver o convívio com o seu
filho e com Daniela, e sobretudo afastar o perigo de uma pessoa que, apesar de
tudo, é um estranho.
O que ficou
do que passou: q u a l i d a d e
Numa prosa
visual e minimalista, o autor surpreende o leitor a cada página. Uma das minhas
impressões principais é a de que estou assistindo um filme (mas eu costumo
dormir assistindo filme; bom, entendam: um filme bem legal). Sua qualidade e
originalidade conferem uma abertura das portas da percepção para a consistência
das obras que saem hoje. O clássico não está só no passado. O que é bom não é
necessariamente aquilo que passou, que está distante e intocável como um ideal
longínquo; a qualidade continua se construindo e pode estar bem perto de você.
Um autor espetacular pode estar bem do seu ladinho e você, eu, nós todos não
damos o devido valor. Podemos estar com olhos vendados pelas convenções
literárias. Cada geração se reinventa com seu próprio estilo. Devemos ficar bem
atentos às novidades que vem por aí e isso serve especialmente para mim.
Não posso
esquecer o meu sentimento mais forte, apesar de toda essa bagunça científica e
univérsica: a valorização das pessoas mais próximas com as quais convivo. Que “reflitão”! A mesma
coisa que me acontece quando eu li As
primeiras quinze vidas de Harry August, um vozerio espaço-temporal que
desnorteia a minha percepção das relações humanas.
Eu
não sou o mais indicado para falar em roteiros, em sua coerência ou não, se
existem furos ou não. Mas posso afirmar que foi justamente a consistência
roteirística o que mais me chamou a atenção. Parece quase impossível encontrar
soluções para os conflitos do protagonista. São conflitos científicos,
extremamente complexos subjetivamente para o protagonista, e até do ponto de
vista da trama, mas Blake Crouch demonstrou ser um exímio escritor para dar um
acabamento tão legal. Ganhou mais um leitor. Os próximos que vou ler são os
mais consolidados, a trilogia Wayward Paynes. Não sei quando, porque não gosto
de conectar muitas obras de um escritor só. Trabalho com a possibilidade
de uma vida longa, então é melhor eu não esgotar tão rápido as obras dos(as)
melhores autores(as). Há especulação de que o livro Matéria Escura vai ser adaptado para uma produção
audiovisual.
Aguardo
com ansiedade!...
Matheus
Andrade,
15/04/2018
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