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domingo, 8 de abril de 2018

O médico e o monstro (Louis Stenvenson)


O médico e o monstro (Louis Stenvenson)

Louis Stevenson combina elementos policiais, suspense gótico, mistério e ficção científica para manipular a fórmula que resultou em O médico e o monstro. Este livro se insere no panteão das narrativas do horror gótico que marcou a trajetória literária dos séculos XVIII e XIX e eternizou popularmente histórias incríveis. A ambientação faz uso recorrente de imagens sombrias, neblinas, madrugada e uma alta dose de solidão. A novela misteriosa é tão curta que, rapidamente, nas primeiras folheadas, a melancolia da proximidade do término de um livro legal invade os ânimos dos leitores.

Stenvenson é mais um talento dos romances do século XIX que se expressou em meio a uma existência definida pela família. É impressionante a tendência deste século em notabilizar romancistas oriundos de famílias aristocráticas, forçados a perpetuarem o nome da família em cursos da elite, que viram na arte literária a fuga para a vida rígida da faculdade de Direito. Foi exatamente na universidade que ele publicou os seus primeiros textos ligados à literatura, na revista Edinburgh University Magazine. O médico e o monstro é o sexto livro publicado pelo autor; o primeiro a fazer sucesso estrondoso.

Sinopse

A narrativa, em terceira pessoa (aquela em que o narrador vem de fora, é um contador de história), é centrada no advogado Mr. Utterson. Ele recebe um testamento muito estranho para trabalhar, no qual um grande amigo dele, o médico Mr. Jekyll, deixa para um estranho, Mr. Hyde, toda a fortuna em caso de morte ou de desaparecimento por três meses. Não precisa ser muito esperto para perceber a estranheza destes termos.

Quando, numa madrugada nebulosa, passeia pelas ruas vazias que circundam a casa de Mr. Jekyll, Utterson presencia uma cena aterradora: um homem baixinho e repugnante ataca uma criança. Rapidamente, ele e a vizinhança conseguem acudir a vítima, e ainda extorquir uma indenização à sua família. O criminoso repugnante? Mr. Hyde, o mesmo citado no testamento do seu amigo.

Mas o horror por Mr. Hyde ainda vai além do seu crime horrendo. Ele é um baixinho atarracado muito, mas muito estranho. Sempre anda pelos cantos e provoca, em todas as poucas pessoas que se deparam com a sua fisionomia, um sentimento inominável de desprezo, receio, medo. Ninguém consegue dizer o porquê, só sentem uma repulsa incontrolável à sua simples presença.


O dilema que Mr. Utterson tem a missão de desvendar é por que um homem tão estranho (tanto na aparência quanto nos modos) é citado de forma tão contundente no testamento do seu grande amigo, sob um eminente risco de que, caso falhe em sua tentativa, o seu amigo “desapareça” como nos termos do testamento. 

A edição e um erro constante

Eu fico impressionado em como os erros de diagramação das editoras vem diminuindo. Mas uma coisa continua forte: a incapacidade com as sinopses. Como você deixa um spoiler na capa traseira do livro? É lá que os leitores recorrem para ter uma ideia do que vai comprar. Aviso importante: tem um spoiler extremamente sutil, mas gigantesco, na edição da L&PM. Podem até argumentar que o desfecho seja conhecido demais e que não precisa tanto cuidado assim. Tenho lá minhas dúvidas. Todo leitor merece uma experiência com estranhamento maior possível; fica uma experiência mais fascinante.

Fora isto, é uma edição linda, simples e barata para os pobretões como eu. Também é vendida num box maravilhoso de horror, cheio de clássicos que, se adquiridos individualmente, ficam caríssimos.

Considerações finais: o bem e o mau

A questão central do livro é a oposição entre bem e mau no caráter humano. Mesmo quem, inconscientemente, passa impressão de estar acima de qualquer defeito moral, de qualquer maldade, mesmo ela tem seu lado sombrio. Mas isso não significa que esse lado se manifeste em suas ações ou que tenha alguma expressão concreta. Stenvenson passa a mensagem de que, a partir de certo momento da sua existência, você tem que estabelecer como vai se apresentar ao mundo — um caminho sem volta que vai definir qual será a visão do mundo sobre a própria personalidade.

Existem, portanto, duas naturezas: uma boa, outra má. Naturalmente, uma delas vai ficar aprisionada internamente pelo resto dos seus dias. É uma escolha carregada de peso. Uma das suas naturezas será ocultada; entrará em hibernação, relegada a segundo plano.

Interessante, não? Mesmo maniqueísta, é uma notável reflexão sobre a formação da personalidade humana, sobre como um indivíduo se desenha para o mundo. A forma como esse dilema se apresenta na história é que não posso dizer, para não revelar nada.

Louis Stenvenson criou uma história tão apaixonante quanto curta. É a principal impressão que fica: um livro curto. Desde as primeiras cenas a história me capturou tanto que eu já estava bem triste e relutante em abandoná-la. Impus-me um limite: dois capítulos por dia. Ainda assim, foi rápido demais. O problema é que, com muita dor, tenho que concordar que a história é muito bem desenvolvida e é clássica justamente pela sensação de incompletude, do forte desejo de ter mais do que aquilo que passou. 

Matheus Andrade,
08/04/2018


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