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domingo, 30 de setembro de 2018

Ninguém escreve ao Coronel (Gabriel García Marquez)



Fui ao sebo com a última grana do mês. Os resistentes treze reais tinham - ah, mas tinham - que bastar para sair com um livro de lá. Escolhi um bem fininho. Mas não se tratava de um livrinho qualquer. Eu escolhi justamente o que mais me atraiu, aquele que, pelo amor de deus, não poderia custar mais do que tinha em meu bolso. Deu tudo certo e eu saí de lá com Ninguém escreve ao Coronel, do jornalista, escritor e semi-deus colombiano Gabriel García Marquez.
Este livro foi publicado em 1961 e se situa no mesmo universo que Cem anos de solidão, o trabalho mais famoso de Marquez. Tanto o protagonista quanto a cidade-cenário é Macondo, que é uma versão fictícia da sua cidade natal, Aracataca, ambas na Colômbia. A história se passa em algum ponto entre o início e o fim de Cem anos de solidão. É difícil precisar, já que o romance tem uma temporalidade bem alargada.

Sinopse

As menos de cem páginas desta novelinha contam o drama de um veterano da Guerra Civil que sacudiu Macondo. O Coronel, já muito calejado e velho, nunca teve acesso à grana prometida pelo governo aos veteranos, que, em sua maioria, morreram, só sobrando o Coronel e poucos mais. Para saber se finalmente a pensão tão prometida vai chegar, o sempre esperançoso Coronel vai todas as terças-feiras para o navio ao qual chegam as cartas do correio, para ver se o governo escreveu comunicando o envio da pensão a ele e a velha. É uma poderosa crítica a uma burocracia traidora – característica de Marquez.
Entre a existência domiciliar dele e de sua esposa existe o único ser vivente daquela casa que recebe algum investimento e uma alimentação adequada: o galo de rinha, herança do filho, que morreu um ano antes. O animal é a única esperança para além do governo. Uma vitória bastaria para que ele recebesse uma fortuna.
Enquanto a grande luta não chega, porém, as privações aumentam cada vez mais e o casal chega ao ponto de passar fome. Todos os itens de valor da casa já foram penhorados. Estão falidos, mas ele se mantém sempre disposto a ir todas as terças-feiras no navio do correio para ver se lhe escreveram, mostrando ainda o resistente fio de esperança.


O que ficou do que passou

O mais interessante a se notar com relação à trama é a falta de uma sequência de eventos que transformam os protagonistas: sabe aquela personagem que começa de um jeito e termina de uma maneira triunfal? Não dá para encontrá-la neste livro. É que o realismo de Gabriel é tão rasgante - e isto é essencial quando é para se contar a história desse livro - que ele não se prende a leis ficcionais.
Outro elemento que me parece essencial nesta leitura é perceber o quanto ele consegue prender o leitor mesmo em uma história tão angustiante e sem aventura. Uma história que tem praticamente por conceito o fato de precisar ser parada, cadenciada, repetitiva, em que a teimosia dos personagens é que caracteriza suas maneiras de viver e de ser. A ambientação também é muito adequada, até porque é o que talvez mais trouxe fama a Marquez. Macondo é bem retratada enquanto cidade pequena, com um clima ainda mais bucólico e estagnado do que em Cem anos de solidão por causa das personalidades do Coronel e de sua esposa.
O fato é que o livro é também angustiantemente pequeno. Dá aquela velha, e nem sempre boa, sensação de querer mais. Não é um livro tão bom quanto Cem anos de solidão ou Amor nos tempos de cólera. Não tem aquele material humano diversificado capaz de criar algo de inesquecível, mas, ainda assim, não se trata de mero passatempo a um leitor entediado. Pelo contrário, é uma novela profunda e muito bem feita, mais um acerto na carreira de Gabriel García Marquez.


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